quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

CRÔNICA DA CINELÂNDIA...



  A  MESÁRIA  SUPLENTE

          Olá, estou aqui recordando os tempos de “democrática” convocação para a nobre função de munus publico e peremptoriamente digna de um lanche trazido em motocicletas da Polícia do Distrito Federal, digo finado distrito e refinada Guanabara, porque depois que mudaram o funcionalismo de lugar, sobraram apenas a pompa de ministérios com arquitetura varguista...
          Hey, peraí já é madrugada e tenho de estar no ponto de ônibus com a urna manual, as listas destacáveis e digo a urna carregada em estopa de pano e acabamento em couro de mala dura, aquelas dos anos 20, ou 30 que no filme Dr. Jivago a diva italiana esquece na estação enevoada, ou talvez mais recente, que seja numa maratona de assistir a cinco filmes de uma vez só no Festival de Cinema do Rio 2009, ou terá sido 2001? Foram cinco eleições convocado  em outra encarnação. Guardei o imã de geladeira de uma sorridente Carmem Miranda no resistente Cine Odeon, vizinho dos colados Cinemas  Pathé, Capitólio e Império, e por outra banda, o Palácio e mais distante o antigo Plaza no Automóvel Clube, sonhos de um senhor Francisco Serrador? De senhores anônimos e atrizes famosas? Das tendas da Mesbla, do Amarelinho, dos desempregados e eternas faixas de protesto cariocas. Não há visão melhor do Theatro Municipal que subindo as escadas do metrô, e saindo do subsolo, ver a suntuosidade de uma águia dourada reluzir em luzes de pequenas lanternas, o sol que escalda ou holofotes que iluminam a faixada recém reformada. Meu Deus, quanta beleza no interior, quantas colunas de carrara e detalhes que só despercebidos notam! Onde estão as salas? Onde estão os cinemas de outrora? O que aconteceu com os jardins suspensos do Assirius? Ainda estudante adentrei curioso para almoçar por ali:havia uma bela harpa no salão junto aos guerreiros nas paredes... Onde sumiram com os pedestres e as sombrinhas que circulavam pelo palácio demolido, por que fizeram isto? Por que por abaixo as esperanças e matar um estudante no calabouço? Um tempo de pancadarias, lenços e rajadas de “Ina” e voltam tão comportados candidatos no twitter. Algo mudou, edifícios residenciais ficavam ao lado da sede do clube militar, onde soldados de luvas brancas abriam as portas dos Ford T enfileirados e a praia vinha cá perto da Igreja de Santa Luzia, que protege nossos olhos da foligem do contorno ou atual Av. Beira Mar, aterrada com as areias do Castelo... Por onde ando? Tapumes do metrô  na espera de um taxi DKW (decave) ou ônibus elétrico, que sucederam as velhas lotações de dois números, primeiro puxadas por burros, depois a tração de gasogênio, durante a II Guerra (tecnologia nacional! Abandonada). Disseram que o petróleo era nosso e sempre pagamos alto por ele. Hoje prometem etanol de mamona. Nesta época só as extintas VARIG e PANAIR do Brasil, não havia a loja envidraçada da TAP, era a maquete de um jumbo azul (cuja rainha brasileira nunca vôou aos trópicos de Zeppelin); sim, o dirigível veio bem antes, parou no Recife e enormes, encantavam crianças e adultos nas calçadas, junto com pipocas e... Depois mataram o Ché, para provar cortaram as mãos com as digitais (argh!) , vieram as Revoluções dos Cravos e de Angola, as mágoas transferidas, os consulados e “casacas” transferidos, a bossa e um obelisco sem graça na avenida ficaram. Os verdadeiros bailes de máscaras foram pra Brasília, expulsaram a sede do Bola Preta, os lança perfumes e olhos de sogra inocentes, mas a folia sempre volta em ano eleitoral, distribuindo panfletos, bottons e bebendo cachaça paraty! Milhões de novo reunidos, agora sob urnas eletrônicas e lei seca! Somos obrigados a arremessar Latinhas de Brahma nos plenários das “gaiolas de ouro”, cujo humor  caricato substituiu  Stanislaw Ponte Preta e o sarcático Barão de Itararé, eleito vereador com o “cacareco”! Para quem desconhece: a batalha campal que não houve na revolta de 32, e os anéis das paulistas foram derretidos e surrupiados, estou muito prolixo hoje? Desculpem, que não molho a pena para encharcar uma folha A4 de chá, estou preso no elevador da Colombo, não! Naquele outro do  mercado de ferro e peixe, demolidas as venezianas, porta pantográfica emperrada, e estou servindo pratos da cozinha mediterrânea aos respeitados de gravata, aos excelentíssimos dos palácios de Albamar... Angu do Gomes, sardinhas na brasa, herança tripeira dos barris de vinho e carvalho: beira da Baía, próximo à sede marítima da PF, parar um pouco, observar o vaivém das barcas, umas poucas levam pescadores e anzóis para alto mar. Ah Cinelândia! Já ficaste tão longe dos corredores do Forum! Estação popular de rádios, altiva nas palavras de ordem e passeatas, no papel picado que cai dos prédios e descansa na Biblioteca Nacional. Cinelândia das artes - mesária suplente de tantas eleições! De tantos comícios e copos no chão,  de tantas ressacas e mendigos nas marquises, ladrões e moças comportadas! Pacato barulho dos caminhões de lixo. Madrugada de portarias ainda fechadas e vendedores de bolo é café a chegar; filas se formando em frente ao movimentado consulado, e com barricadas anti terror. Foram-se os soldados, resistiram os catadores! Muita dança do ventre, sessão de quarta  às sextas, uma cobra jibóia que o povo nunca pega! O que será, que será? Nem Chico canta, nem macaco nem mico de cineasta metido, aqui os temperos são de bamba, os votos de samba -  condução lotada e paçoca de amendoín!
          Pois é leitores, vou me indo, o bonde desliza devagar sobre os Arcos, única suplente que apareceu para me ajudar, e terei que convocá-los para patriótica missão. Dançar na gafieira,  abrir as cortinas às sinfônicas e rolos de filmes; ficar nas sacadas e varandas de outrora, sofisticadas lojas que se foram no gôzo, no veludo dos ricos e carros de aluguel. O calabouço dos supremos plenários, o algodão dôce que desmanchou, o  amontoado de pessoas e pombos, corre corre que parece lento, um sapato sujo de... Todas as vaias, dos presidentes que entraram no Theatro, dos flanelinhas tão mal vestidos, de todas as juras de amor nas mesas de bar, daquele eleitor que precisou assinar com o dedo molhado de tinta e nunca esqueci...  Zona norte e zona sul se encontram aqui, coração do Rio, espelho do Brasil, e na Cinelândia tudo se funde na suplência da vida.
Dr. Guto rascunha este texto pendurado em algum bonde...