PRESO EM PIRANDELLO
Ontem foi terça-feira, dia
entediante, imprensado entre o início de semana e o metrô, dia calorento,
abafado por um verão em crise e uma ida ao teatro. Se me perguntassem por que terça? Ora, o mundo é vinte quatro
horas no ar, sempre intenso, ardente, nós que esquecemos e passamos um terço da
vida dormindo quando já iremos roncar muito mais pela eternidade...
Então os anos passaram e quando fui
ligar para uma empresa carioca, a Câmara de Arte, que divulga, apóia e
permite público aos espetáculos, reclamando de um raro atraso dos ingressos, a
simpática atendente falou: “o que o senhor prefere, apanhar aqui no centro ou
que mandemos pelo correio? Mando agora, pois o senhor é quase fundador..."
Seria um diálogo simples, se não estivesse no presídio dos novos tempos - nos
escritórios, fábricas, residências, estamos os idiotas plugados, em busca de
alguma coisa - uma informação sobre a crise, um extrato bancário, uma cama
nova, ou um ingresso extraviado pelos classificados do tempo. Estava a falar com a moça e a ligação caiu no
chão frio de cerâmica que reveste os senhores, fundador de que? Que me lembre
quando era estudante tive um surto e ajudei a fundar um partido político, que
se afundou como todos os outros na mesmice. Da arte não sabia ter ajudado, vou
ficando feliz em ser platéia, em escrever, ah, este país tem pouca memória:
conseguimos conversar com familiares e montar uma simples árvore genealógica?
Resgatar empresas do início do século - as Perfumarias Granado, uma Confeitaria
Colombo, a Antarctica Paulista... A própria OAB, terá completado 70
anos? Um país por fazer e pensamentos interrompidos, por uma centena de cabelos
brancos, metodicamente arrancados. Rediscando vou me lembrando do beijo de Fedra,
em Renata Sorrah e Fernanda Montenegro, das brincadeiras do Jorge
Dória em O Avarento e inúmeros
palavrões de Moliére, dos ensaios poéticos de Afonso Penna,
Machado de Assis tão romanticamente puros, que assistimos no teatro de arena
do Jóquei Clube, bem colado à pista das corridas, semelhante à vida como ela é
de Nelson Rodrigues, outro gênio. Montagens de Sheakspeare,
tantos autores nacionais maravilhosos, nem lembramos os nomes! Quantos teatros
nós fomos nesta amada cidade, muitos já fecharam: o do Copacabana Palace, por
exemplo, gostava muito, principalmente de comprar amêndoas no café que existia
(ou seria uma lojinha na entrada à esquerda?) Ficávamos ali, entre um café e um
guaraná caçula, a aguardar os intervalos de elegante lugar... A peça? A
Ratoeira. Lembro dos que ainda vivem também - o anfiteatro do SESC Copacabana,
em círculos, com belas poltronas azuis, super moderno, a uma quadra da praia,
ou aquelas escadarias em vermelho do Villa Lobos, homenagem ao nosso
pianista e compositor de charuto. O bom e central João Caetano, o
magnífico Municipal! Óperas, a Orquestra Sinfônica Brasileira, entre tantas
danças, e o medo de cair lá do balcão? Sempre um bom perfume, espetáculos no
consulado francês, musicais em Nova Iorque, São Paulo, Londres, Buenos Aires (na
Corrientes, claro), comédias nos shoppings, nem lembro mais, viva o Theatro Amazonas! Somos um
produto da cidade intelectualizada, diversão uma vez por semana; e se lembrasse
dos filmes (escrevia numas fichas os filmes assistidos em vídeo-cassete, parei
pelo número quinhentos) e vieram as tvs a cabo a nos prender mais, os dvds.
Pelo menos o cinema sobrevive nos combos de pipoca, quanta cultura a nos
envolver, e o mundo é intenso, ardente, estúpido! Desculpem, ontem foi domingo e estava na
sala Marilia Pêra, assistindo a uma peça de Luigi Pirandello e
resolvi sair, não agüentava mais estar ali, não sei, levantei! Preciso me afastar desse mundo de trabalho urbano, de diversões urbanas, de
trânsito, ligações, problemas e mais problemas, quero apenas ver o sol bater
sobre o deck e mergulhar, nada mais. A porta não abre, não posso gritar que abram como o autor faz com seus personagens! O barulho atualmente me irrita, não
consigo... Volto resignado ao assento do tempo, o metrô corre lotado, os
guindastes levantam os fardos, o sol escalda fileiras de caminhões, talvez
ir ao teatro ou cinema no meio de semana seja o charme das metrópoles,
pois pequenas cidades vivem presas a uma tela de mídia; suado, imóvel sobre as palmas espero Cláudio
Cavalcante finalizar de branco e cartola e animado elenco. Ótimo ator, vereador nem se reelegeu, sofrerão mais os animais.
Se Pirandello programou seu
funeral na juventude e exigiu que suas cinzas fossem jogadas sobre o caos,
aliás, Chaos, vilarejo na Sicília onde nascera, queria ser diferente e viver a
maturidade sobre o azul do mar, pelo menos ontem, queria abrir a porta da prisão e não deixaram! O mundo dos vivos oprime, que por mais que queiramos ser os
personagens que pensamos serem nós mesmos, é um engano, apenas o destino nos
dirige. E a liberdade é uma farsa quando a porta está aberta...
Rio de Janeiro, 02 de fevereiro de 2009.
Dr. Guto é um jovem senhor que
vai ao teatro.