quarta-feira, 22 de agosto de 2012



PRESO EM PIRANDELLO


           Ontem foi terça-feira, dia entediante, imprensado entre o início de semana e o metrô, dia calorento, abafado por um verão em crise e uma ida ao teatro. Se me perguntassem  por que terça? Ora, o mundo é vinte quatro horas no ar, sempre intenso, ardente, nós que esquecemos e passamos um terço da vida dormindo quando já iremos roncar muito mais pela eternidade...
          Então os anos passaram e quando fui ligar para uma empresa carioca, a Câmara de Arte, que divulga, apóia e permite público aos espetáculos, reclamando de um raro atraso dos ingressos, a simpática atendente falou: “o que o senhor prefere, apanhar aqui no centro ou que mandemos pelo correio? Mando agora, pois o senhor é quase fundador..." Seria um diálogo simples, se não estivesse no presídio dos novos tempos - nos escritórios, fábricas, residências, estamos os idiotas plugados, em busca de alguma coisa - uma informação sobre a crise, um extrato bancário, uma cama nova, ou um ingresso extraviado pelos classificados do tempo.  Estava a falar com a moça e a ligação caiu no chão frio de cerâmica que reveste os senhores, fundador de que? Que me lembre quando era estudante tive um surto e ajudei a fundar um partido político, que se afundou como todos os outros na mesmice. Da arte não sabia ter ajudado, vou ficando feliz em ser platéia, em escrever, ah, este país tem pouca memória: conseguimos conversar com familiares e montar uma simples árvore genealógica? Resgatar empresas do início do século - as Perfumarias Granado, uma Confeitaria Colombo, a Antarctica Paulista... A própria OAB, terá completado 70 anos? Um país por fazer e pensamentos interrompidos, por uma centena de cabelos brancos, metodicamente arrancados. Rediscando vou me lembrando do beijo de Fedra, em Renata Sorrah e Fernanda Montenegro, das brincadeiras do Jorge Dória em O Avarento e inúmeros  palavrões de Moliére, dos ensaios poéticos de Afonso Penna, Machado de Assis tão romanticamente puros, que assistimos no teatro de arena do Jóquei Clube, bem colado à pista das corridas, semelhante à vida como ela é de Nelson Rodrigues, outro gênio. Montagens de Sheakspeare, tantos autores nacionais maravilhosos, nem lembramos os nomes! Quantos teatros nós fomos nesta amada cidade, muitos já fecharam: o do Copacabana Palace, por exemplo, gostava muito, principalmente de comprar amêndoas no café que existia (ou seria uma lojinha na entrada à esquerda?) Ficávamos ali, entre um café e um guaraná caçula, a aguardar os intervalos de elegante lugar... A peça? A Ratoeira. Lembro dos que ainda vivem também - o anfiteatro do SESC Copacabana, em círculos, com belas poltronas azuis, super moderno, a uma quadra da praia, ou aquelas escadarias em vermelho do Villa Lobos, homenagem ao nosso pianista e compositor de charuto. O bom e central João Caetano, o magnífico Municipal! Óperas, a Orquestra Sinfônica Brasileira, entre tantas danças, e o medo de cair lá do balcão? Sempre um bom perfume, espetáculos no consulado francês, musicais em Nova Iorque, São Paulo, Londres, Buenos Aires (na Corrientes, claro), comédias nos shoppings, nem lembro mais, viva o Theatro Amazonas! Somos um produto da cidade intelectualizada, diversão uma vez por semana; e se lembrasse dos filmes (escrevia numas fichas os filmes assistidos em vídeo-cassete, parei pelo número quinhentos) e vieram as tvs a cabo a nos prender mais, os dvds. Pelo menos o cinema sobrevive nos combos de pipoca, quanta cultura a nos envolver, e o mundo é intenso, ardente, estúpido! Desculpem, ontem foi domingo e estava na sala Marilia Pêra, assistindo a uma peça de Luigi Pirandello e resolvi sair, não agüentava mais estar ali, não sei, levantei! Preciso  me afastar desse mundo de  trabalho urbano, de diversões urbanas, de trânsito, ligações, problemas e mais problemas, quero apenas ver o sol bater sobre o deck e mergulhar, nada mais. A porta não abre, não posso gritar que abram como o autor faz com seus personagens! O barulho atualmente me irrita, não consigo... Volto resignado ao assento do tempo, o metrô corre lotado, os guindastes levantam os fardos, o sol escalda fileiras de caminhões, talvez ir ao teatro ou cinema no meio de semana seja o charme das metrópoles, pois pequenas cidades vivem presas a uma tela de mídia; suado, imóvel sobre as palmas espero Cláudio Cavalcante finalizar de branco e cartola e animado elenco. Ótimo ator, vereador nem se reelegeu, sofrerão mais os animais.
          Se Pirandello programou seu funeral na juventude e exigiu que suas cinzas fossem jogadas sobre o caos, aliás, Chaos, vilarejo na Sicília onde nascera, queria ser diferente e viver a maturidade sobre o azul do mar, pelo menos ontem, queria abrir a porta da prisão e não deixaram! O mundo dos vivos oprime, que por mais que queiramos ser os personagens que pensamos serem nós mesmos, é um engano, apenas o destino nos dirige. E a liberdade é uma farsa quando a porta está aberta...

Rio de Janeiro, 02 de fevereiro de 2009.
Dr. Guto é um jovem senhor que vai ao teatro.