sexta-feira, 22 de junho de 2012



VOCÊ TEM UM GRAMOPHONE?


          Domingo fomos jantar no "Outback", ou melhor, quase fomos; por quê? Sabe quando você sai para ir a algum lugar e de repente acaba não indo? Pois é, não que o restaurante fosse ruim, pelo contrário, é um estilo de ranchos australianos misturados a ranchos texanos: comida farta e saborosa servida em um ambiente tipo saloon na Barra da Tijuca ou no recém-inaugurado do Shopping Off-Price. Num diálogo repentino, sugeri comer nosso “atum light” * com alface quando chegássemos em casa e sem maiores polêmicas, decidimos economizar nossos reais. J
          Um domingo no Shopping seria tão idiota quanto votar na chapa Rosinha / “gordo”, que foi multador profissional... Mas, felizmente fomos salvos por uma exposição de rádios antigos que acontecia. Por alguns minutos, ficamos apreciando aqueles rádios enormes: Telefunkens, Philips, Philcos, outras marcas, como se estivessem vibrando em chiados e nos levando no ruído do tempo a pensar em tantas coisas... Pensei nas conversas que tinha com uma velha senhora, pernambucana radicada nas Alagoas, casada com um caboclo na foz de um velho “Chico”, que lhe roubou nas correntezas um filho de treze anos, rio que já levara o irmão caçula Miguel (preferido) para a Revolução de 30 e nunca voltou... Seguiu em frente, acordava diariamente bem cedo, quem sabe era parente distante de algum soldado, ferida nos galeões de Nassau? Formou quatro filhos, ainda que estudassem longe (um contador e três enfermeiras). Ela tinha um rádio daqueles sobre uma estante e durante a guerra ouvia os alemães gritando e com medo corria a trancar-se no quarto. “Como ter medo vó? Eles estavam tão longe”, ela alva respondia, me fitando com aqueles lindos olhos azuis, mais ou menos assim: “E quem garantia, na época, que eles não chegariam aqui? Eram as vozes que me davam medo filho, as bombas que ouvíamos...”
          Quantas belas e vozes famosas também cantaram por aqueles rádios! Sei lá: grandes notáveis fantasiadas em saltos, Nora Ney, Dalva de Oliveira, Ângela Maria, tantos concursos e piadas que paravam o Brasil! Orlando Silva, Silvio Caldas, Francisco Alves (esse artista se foi como JK...), sim, estou viajando insone nesta madrugada, escrevendo rádios ignorados em cantos, assim como muitos “senhoras e senhores” que se emocionariam se vissem uma outra exposição... Lembrar da Tupi, da Mayrink Veiga, da grande rádio Nacional naquele prédio que já foi o mais alto de uma capital em frente ao porto, como se avisasse aos navios guiados por frios “práticos” ou ao peso dos ancorados: aqui também existe cultura, também somos grandes, fomos o terceiro país do mundo a massificar a Televisão! De repente um gramophone, nossa! Que obra de arte, perfeita para animar os cabarés da época, ainda que fossem perseguidos por pedras derrubadas de uma Igrejinha rica em azulejos holandeses. Que construíssem o Forte preservando-a lá, juntos, na mais bela praia urbana do mundo! Cabarés repletos em chapéus, ligas femininas e fumaça de batom: seriam os eternos cachorrinhos da Victor’s os culpados? J Deve ser da década de 20 ou será mais antigo? Você tem um gramphone em casa?... Mais adiante uma vitrola (daquelas de armário com lugar para guardar discos de vinil e caixas de som embutidas), claro, essa era da década de 60, me lembro quando era pequeno de uma igual na casa do Tio Pedro em Birigui/ interior de SP, mostrava-me um televisor preto-e-branco, acho que Colorado RQ: “esta não é americana, viu carioca?”.
          Valeu a inspiração! Por alguns instantes nos distraímos naquela meca de consumo e cartões-de-crédito, com seus McDonald’s em qualquer lugar. Não compramos nada nem comemos a “fried onion” (uma entrada deliciosa) e valeu muito aquele final de noite no Off-Price, perto da sede do glorioso Botafogo Futebol e Regatas, porque foi cultural, inusitado, rico e inspirou um breve texto que mando aos quatro ventos da Mitologia, ouvindo FM na madrugada...

* Receita no livro.

                                                     Dr. Guto, Primavera de 2002.
                                                                  

domingo, 17 de junho de 2012

GUERRILHEIROS DANKE

                                                                     

GUERRILHEIROS, DANKE!


          Quando passamos por aquele sinal tão familiar, nos observa um templo transparente ora seguindo pela direita, ora seguindo à esquerda. Independentes direções, a volta será sempre mais difícil: podermos ou não voltar, resgatar atitudes em partidos sentimentos. Voltamos e o mesmo lugar e pessoas, como postes de setas guerrilheiros, já se foram em despercebido movimento...
      Caminhar rápido pela fuga do stress não equivale a carregá-lo consigo, às vezes, vou de bike, desviando de corpos por uma das poucas ciclovias existentes na cidade: entro no Jardim de Alá, encontro uma “índia” na orla e sigo circulando até a Pedra do Leme. Parar um pouco, beber uma água-de-côco deveria ser programa de todos, ainda que não assistam ao espetáculo das ondas sobre areias que protegem e aproximam o cimentado cinza dos sonhos de Yemanjá... Não estava lá nem era noite, quando um helicóptero platinado decolou, distanciando-se no espelho d´água. Naquele deck, quantas vezes acompanhei de manhã, um “Globocop” partir iluminado rumo às notícias; agora, apenas outra aeronave descansava sobre o verde, no vai e vem que fascina crianças e crianças grandes! Voltei à caminhada. Ao passar pelo heliporto um casal de meia-idade saiu das cercas de arame e aproximando-se, um senhor branco começou a acenar como se fosse para a cadelinha que guiava... Sem cumprimentos ou ao menos reparar que eu usava óculos “Yves St. Laurent” perguntou com um mapa nas mãos: “Hey, where is this?” O “this” era o Parque do Jardim Botânico e mudando o idioma orientei: “Go up the street and always see at the left, when the wall of races is finished, turn on the left carefully, walk a little more, another left: so you will be able to find the true green on the right”. J  Ficou me olhando como se a dica fosse de um “ET”? Resolvi ajudá-los e sugeri: “If you need help, please join us, we walk towards there”. Aceitou relutante e seguimos caminhando sobre poças de água e no espelho, garças brancas. Curioso perguntei de onde eram: Suíça. Vôos quase diários pela Swissair a São Paulo (por coincidência a pioneira companhia aérea a romper fronteiras ideológicas). Perguntei se estavam gostando do Brasil: a senhora respondeu sim, ele desdenhou palavras “poor and violent place”. Com raiva fiquei em silencio, depois retruquei lembrando as estatísticas de suicídio na Europa... Silêncio. Arrisquei outra vez: “and about Rio, do you like it?” Esperava uma resposta, não uma provocação: “a dirty city!” Foi o limite, estava prestando um favor e sendo agredido com um ataque de limpeza! Respondi seco: “Go to Niemeyer’s Museum”. Acho que pensou que iria xingá-lo e continuou perguntando o que havia de especial lá? Respondi: “You can see the sun and beautiful above the dirt”... Perguntou como chegavam lá: “by taxi is faster”; ele sorrindo, “A thieve taxi driver?" Agora estava furioso e não hesitei em fulminar: “ladrões são aqueles que financiam veículos!”Abriu um sorriso sem graça. Calados continuamos uns cinco minutos até que a mulher quebrasse o silêncio: “wherever else near, can we go out of Rio?” Irritado com o marido dela ou amante, sei lá, pensei ser injusto não responder à simpática senhora, nada tinha haver com ele. Sugeri Paraty, explicando que lá também morava um navegador brasileiro chamado Amir Klink: a lonely navigator who dare waves and sharks, eating caned food in a little wessel, to cross South Atlantic”. Lá poderiam visitar casarios coloniais e cruzar “no Saco da Velha!”Com saveiros e mergulhadores de Ilhas, numa das quais habita o admirado navegador. Nesta hora o velho me surpreendeu: “from they took the gold”. Interessante, sabia este detalhe... E rápido completei: “Today gold and petro-dollars often go to Swiss Banks, only brazilian citizens have more than US$ 5 bilions there”. Sob os olhares curiosos de uma cadelinha vira lata, chegamos ao sinal do clube naval. Ficou me olhando como se nem quisesse despedidas, perguntando se era político ou filho de um...? Naturalmente respondi: “apenas ainda voto”. Ainda parado disse-lhe que aqui tínhamos modernas urnas eletrônicas e um sistema bancário de “invejar” o 1º Mundo. Em exclamações de surpresa disse que esse País era surpreendente! Que nunca pensara que alguém do povo escolhido aleatoriamente falasse sua língua tão bem! Os dólares que mencionara eram muito mais... E quando voltasse à União Européia ou a isolada Suíça falaria sobre esse "tão educado" encontro e talvez mudasse alguns conceitos. Ao longe, o templo transparente de São José já reluzia sob um sol nublado.
          Concluiu com um sonoro Danke 1, dizendo-se hospedado em hotel tradicional na Praia de Copacabana, administrado atualmente por um grupo inglês. Acredito, já devem ter se hospedado pelo mundo e nos melhores hotéis da Índia. Mesmo assim me despedi deles com cortês aceno de mão, no anonimato de quem escreve, rumo ao próximo sinal. E claro que esse diálogo não foi em Alemão, traduzi para vocês. J

1 Obrigado em alemão.

                                                                  Dr. Guto
                                           Rio, 23 de outubro de 2003.
                                                                 


UM PRESENTE


          Aniversário de uma guerrilheira que pescava com o avô nos anos 50, nesta mesma Lagoa. E que ousou quebrar “dogmatismos” no exílio, e mulher, a Teca exigiu uma geladeira para conservar alimentos! Logo, os compañeros pararam de discutir (objeto de consumo burguês) e correram para comprar uma... Hoje, alguns são ministros influentes. Tornou-se executiva e ajuda tantas pessoas. Fala de cooperativas, de catadores de lixo, de fazer doces com cascas de frutas, sempre assuntos diferentes para mim. Um presente conhecê-la. DEDICO ESTA CRÔNICA à Tereza Cristina Denucci Martins: uma feliz avó. Obrigado por vencerem! Vocês também me ensinaram a ser tolerante. 

                                                                 Tereza Cristina (in memoriam)


sábado, 2 de junho de 2012

FESTA DOS 40


Festa dos 40

Não sei se quem lê já completou a lista ou mesmo rasurou a mão pra não entrar, a listagem é dos anos que caem e voltam como boliches. Você corre com os dedos fisgados e arremessa a bola e o taco se solta, a velocidade diminui e quem caiu foi de quatro e zero ponto!
Algumas datas são marcantes, números redondos: passou no vestibular, não formou, empregado casou, desempregada engravidou, daí em diante vou me ater a não seguir a falta de lógica. Claro que muitas festinhas e barzinhos rolaram, muitas cubas-libres ficaram aguadas, bebeu-se muito gás e comeu-se muito brigadeiro grudento, quantas abdominais hein? Quantas deixou de fazer e noites de jejum, metodicamente, indo à malhação até aos domingos! Pois é, quantos celulares mudaram? PCs de mesa, em quantos quartos dormiu? Melhor entrar na comilança, chamar os velhos amigos e dançar ao som de discoteque nos Cassinos Royales e música eletrônica, assim ninguém lembra ou briga com a MPB. Os convidados serão as rugas que irão chegar e sucessão de micos que comerão suas bananas, essa não entenderam, micaretas, abadás, bananas? Algo haver com a macaca Chita e a pressão alterada? Captaram? Uma briga aqui, uma promoção negada ali, meia dúzia de fios em chumaço e o trabalho virou rotina. Meus caros, nesta idade ou já se tem dinheiro ou não se terá mais (exceção às megasenas). Sei que estou radical, porém nem cogitei o estado civil dos aniversariantes, são relativizados: casados, casados nem tanto, em processo de desunião, separados, bibas velhas, solteiras convictas, putanas por vocación, solteiros pageadores de pais (mães na maioria), pegadores desequilibrados, fumantes, alcoólatras, assexuados, viciados em bíblia e cultos, duendes em mesas, cartões de crédito e carros chamativos (excluo bolsas, sapatos femininos, perfumes importados, cremas anti-arrugas, chocolates e vouchers, para não alongar a lista a 40.000 itens...) Vamos lá, calvos e cabeludos vão andar de “banana boat” em Araruama! Peguem as pinças e contem os pelinhos brancos, na barba óbvio! São centenas, alguns na região púbea... Assistir e falar mal do BBB também distrai, ganhar 01 milhão é problema em qualquer idade, mas coroas geralmente gastam bem ou vão se ferrar pendurados num ônibus circular! As doenças são psicossomáticas e os livros de médicos já bem folheados, ressalvas às dezenas de exames feitos, de eletroencefalogramas ao colesterol total e livre, de psiquiatras ao que se faz lá no fundo do ânus ou colo do útero... Que medo hein? A roupa dos “enta” um corpo nú meio pelancudo, meio malhado, abissal quando horizontalizado.Vitaminas e sucos de açaí podem ajudar as mentes cansadas, o zumbido no ouvido não, não passa, a tosse rouca não passa, a poeira negra sobre a lataria dos carros e dentro das suas narinas não passa; os óculos de leitura, a preocupação com os filhos na moto, no show da madrugada, no motel? Celulares desligados. Preocupaçao com o futuro, com o vício das redes sociais, as contas a pagar, o complexo de corno (muito comum nesta idade), a novinha do pastor, a ex-mulher do próximo, por último a sua sentada na mesa da janta e calada!Haverá restituição no Imposto de renda? Malha fina rasgando seu prazer e de nada adianta querer menino ou menina, eles mudam o sexo depois, mudam suas verdades, dançam into the fire, se emancipam e terminam distantes do trio elétrico, pulando e sapateando na sua cabeça!

Pois é, COMPLETAR anos sem dinheiro é uma merda! Com grana e sem festa de gala, há muita diferença? Sem festa, cá me vejo na tela um chapeuzinho de tolo e começando a ser coroa, burrinho, sofrendo no metrô, cheio de compromissos e problemas, comedor de letras e queijo coalho, prisioneiro feliz até o trânsito melhorar? Felizes mesmo? São aqueles que completam 40 graus de praia! :)


Dr. Guto quer de presente um quiosque na Av. Atlântica...