BATATAS SEQUINHAS
Acertar na dieta é como acertar
na loteria. Sempre estamos lutando contra balanças, os triglicérides que se formam nas artérias e fluindo próximos aos
números da infelicidade. Comidas saudáveis são insossas, por mais que
vegetarianos gritem e adeptos fervorosos de saladas receitem o extra virgem. Comer bem é um sacrifício: melhores serão os tomates secos ou
molho Italiano sobre as folhas ou pão mesmo com salame, não ficando atrás do
saboroso parmesão fatiado. Churrascos no sal
grosso e fartos buffets sem
culpa! Feijoadas no jabá desfiando,
paio e lingüiça fininha, cozidas no fogão à lenha? Um arroz branco carregado no
alho! Hummm... Pavê de chocolate, sorvetes em calda e muitos, muitos doces
mineiros, acompanhados dos adorados refrigerantes. Isso sim é comer: camarão VG à Baiana, moqueca de peixe com
polvo, pirão de lula à Provençal!
Paellas, aquela lasanha de presunto,
muzzarela e creme de leite. Sim, tudo engorda. O que nunca satisfaz é um
partido político...
Felizmente
não sabia disso e naquele ano de 88 voltava convidado a ingressar no PMDB,
jovem idiota e contestador sempre procurei os caminhos mais difíceis: achava
que não teria graça padrinho político tão influente. Depois o MDB já não
era o mesmo. Assim, após aventuras em Brasília, chamei algumas
funcionárias e amigos da Faculdade para irmos à sede da Associação Brasileira
de Imprensa, cujo terreno do imóvel foi doado no Rio de Janeiro, assistir
ao lançamento de uns Tucanos... “Bandinha” de música animada e não eram
a rural UDN, muito menos ala moça do urbano PSD, nem um grupo de
progressistas do ontem com avançadas e constituintes idéias. Lá na
frente um professor, sem gravata e manga de camisa dobrada, azul, bem
eloqüente! Ao seu lado, um engenheiro de Santos e o velho Montoro,
que ensinou Direito do Trabalho a uma prima na Mackenzie, entre tantos
mandatos e alunos ensinados; ficamos ali ouvindo-o se esgoelar e suando pela
falta de ar condicionado e quando terminou o discurso, até me emocionei com as
palavras (nessa época era mais sensível). Virei-me para a Magaldi, uma
secretária concursada em duas Universidades que foi posteriormente obrigada a
exonerar-se de uma matrícula mal paga e não era médica ou professora...
Mentalidade atrasada de nossas elites em exigir 48 horas semanais, quando
países sociais democratas já avançam para menos de 40 horas.
“E aí, está gostando?” A hilária resposta ficou gravada na memória e
escrevo: “gostando? Estou adorando: esse homem é um gato! Preciso namorar um coroa
desses!” Deu sua peculiar e sonora gargalhada. Sinceramente, esperava respostas
diferentes de uma bem humorada viúva, mas a partir daquele instante começou a
ensinar-me a lógica do voto feminino. Era bem mais politizada que eu! Qualquer
dia telefono para ela e pergunto se ainda vota naquele acabado ou no feio Zé
Inácio.J
Quase
detestávamos os barbudos: vestiam-se mal, pobres em idéias e sempre contra tudo
nas reuniões do CALC.1 Pior, a nível nacional
achavam-se banhados no Rio Jordão como se não fossem humanos. Se pelo menos
tivessem humanos na Política... Mudaram um pouco. Mudei também vítima da
burocracia: “por que tenho que ter a ficha abonada? Só quero me filiar”;
“Porque sim, procure um parlamentar”. Como é bom filiar-se a um Partido sem
conhecer ninguém! Um mundo a descobrir, inclusive que nem precisava mandato
para abonar coisa alguma ou tumultuar, comecei enganado. Maria Helena me
socorreu perto da Vera Lúcia de Oliveira, antiga funcionária da
faculdade, próximos estavam Valter José Oliveira (fiscal prodígio aos 21
anos) e o Eduardo Gusmão (atualmente Juiz de Direito no TJ), e ela
falou: “filha, não pode ser você mesma? Tem algum vereador de interior aí? Só
serve se for do interior!” E voltou a gargalhar. Sim, ríamos bastante quando
reunidos nas eleições, ali então ao som da marcha: “cidade maravilhosa
cheia de encantos mil...” Não tinha. Um partido que nascia sem vereadores. Boa idéia - extinguir todos os
cargos de vereador no Brasil e remunerações! Seriam substituídos por Conselhos
Comunitários da Sociedade Civil, voluntários, e o dinheiro economizado
iria para a FOME ZERO! Com única jogada, em vez de
fecharmos Bingos, faríamos strike no desemprego secular de muitas
famílias do interior, copiado da Constituição Americana em 1891. Enxugaríamos
gaiolas de ouro inúteis e melhor fiscalizaríamos Assembléias que gastam
milhões com redes de televisão fechadas, não assistidas pela maioria dos
brasileiros. Ok, mas tentem abrir os sinais de satélite e continuem melhorando:
aprovem mais cargos DAS... (ontem sintonizei a TV Senado). Volto.
Estávamos ao lado deles, porém faltaria sentido pedir a FHC que abonasse
uma ficha. Tentava ser coerente e ao mesmo tempo cumprir as regras impostas por
ninguém. Eram três deputados na bancada fluminense (estaduais, raras exceções,
nem sabemos os nomes): um escritor meio desligado, um empresário deslumbrado e
uma mulher advogada, esta última mais progressista, Anna Maria acabou abonando
a ficha: “é de jovens, idéias novas que este País precisa”. Pergunto: existem
idéias novas? É fácil ser jovem convivendo com velhos? Se pelo menos os
estudantes invadissem os partidos e tomassem os diretórios! Ficariam velhos
também? E se elegêssemos apenas uma vez ou no máximo duas? O que fariam depois?
Política é profissão e as lutas sociais não se encerram em contados anos. Que
as lutas sigam? Que plantem batatas no campo! Pelo menos não viveriam sempre
tentando reeleições e reeleições até ocuparem cargos ofertados em presente
quando perdem os pleitos. Triste e real constatação. Ao contrário, argumentam
serem assuntos complexos para novatos. O próprio Povo faz a seleção
democrática: culpa nossa mesmo, independente de governantes, em vez de apenas
reclamarmos, deveríamos reaprender a dizer obrigado! Obrigado por sermos
cidadãos livres e podermos fazer algo melhor, porque uma única agremiação no
Congresso não faz verão nem dieta...
“Guto, o que você faz aqui? Há um ano freqüenta este escritório e
ainda não falou com o Paulo Alberto” 2. Assim me parou Luzia
Souza, uma assessora que largou o emprego na Câmara dos Deputados para ir
viver em Portugal com o noivo (hoje têm dois filinhos portugueses-brasileiros em
Viana do Castelo). Na verdade, ia à Rua Álvaro Alvim por ser
provisório ninho, nem lembrava... Já em 93, cassado o Collor Feião,
aproximava-se à chance presumida de vitória e em todos os estados organizava-se
a máquina novamente contando-se “soldadinhos”. Agora um imenso sobrado
no coração do Largo de São José era a sede partidária e no andar térreo
funcionava o Timpanas, restaurante antigo no Centro do Rio: ali sentados
ficamos os três conversando assuntos aleatórios regados à cerveja Bohêmia:
“então vocês indicaram o representante da Juventude?”, Consertei dizendo que
também era indicação pessoal do SerginhoCabral, além do Pedro Câmara
e como sempre muito boas idéias. Não gostou do elogio, mesmo sabendo que se
houvessem grupos, seríamos do seu, esfacelado e disperso. Lalu era nome
certo em todas as chapas, entretanto, sofria resistências no setor financeiro,
ótimo! Marcellista era o garçom e
serviu rápido uma porção de fritas portuguesas fumegantes em fartura,
aproveitei para cobrar: “e ai, vai me bancar no Diretório?” A resposta foi
assim: “nossa, que batatas sequinhas! Prove só...” Comemos frituras e
continuamos sem beber sucos, seguindo melancólicos: Artur “por que essa
preocupação em continuar? Pouco se resolve nos partidos, vão namorar”. Não
insisti uma segunda vez, mastigando lentamente as batatas... Alguém se
aproximou da mesa (como são boas essas pessoas que nos acompanham pelo tempo e
aparecem de repente em qualquer lugar!) e falou sorrindo: “Tu sempre nas bocas,
né? Só te vejo em reuniões” Heleni Rosa estudava Filosofia no INFCS
e até então, nunca conseguira passar em um concurso público, mesmo em
dificuldades, não desistia de tentar. Sentia orgulho dela e foi muito
importante sua aproximação naquela tarde (atualmente é funcionária concursada).
Concluiu algo assim bem seca: “Guto, ouça uma coisa: tudo que conseguir dos
políticos ainda pagará em dobro às pessoas comuns...” E se despediu. Que bom!
Ela não era o tipo que falava para agradar e senti que irritou bastante a
observação na frente de um.
Obrigado Vera, Magaldi, Heleni! Amizades
sinceras que perduram, obrigado amigos pelas palavras perdidas e dicas
abandonadas, pelos seus livros de música brasileira e biblioteca tantas vezes
visitada! Conhecía-os e nenhum cargo ganhei, também nunca pedi, mas posso pagar
em triplo ou quádruplo! Idéia inspiradora guardada, depois de ajudar uma
campanha vitoriosa em 94, seria logo me afastar e viajar com a fofinha
Lalu. J
Dr.Guto, Rio, 29 de abril de 2004.
1 Centro Acadêmico Luiz Carpenter.
2 Senador Artur da Távola.
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