sexta-feira, 4 de janeiro de 2013


BATATAS SEQUINHAS

         Acertar na dieta é como acertar na loteria. Sempre estamos lutando contra balanças, os triglicérides que se formam nas artérias e fluindo próximos aos números da infelicidade. Comidas saudáveis são insossas, por mais que vegetarianos gritem e adeptos fervorosos de saladas receitem o extra virgem. Comer bem é um sacrifício: melhores serão os tomates secos ou molho Italiano sobre as folhas ou pão mesmo com salame, não ficando atrás do saboroso parmesão fatiado. Churrascos no sal grosso e fartos buffets sem culpa! Feijoadas no jabá desfiando, paio e lingüiça fininha, cozidas no fogão à lenha? Um arroz branco carregado no alho! Hummm... Pavê de chocolate, sorvetes em calda e muitos, muitos doces mineiros, acompanhados dos adorados refrigerantes. Isso sim é comer: camarão VG à Baiana, moqueca de peixe com polvo, pirão de lula à Provençal! Paellas, aquela lasanha de presunto, muzzarela e creme de leite. Sim, tudo engorda. O que nunca satisfaz é um partido político...

                  Felizmente não sabia disso e naquele ano de 88 voltava convidado a ingressar no PMDB, jovem idiota e contestador sempre procurei os caminhos mais difíceis: achava que não teria graça padrinho político tão influente. Depois o MDB já não era o mesmo. Assim, após aventuras em Brasília, chamei algumas funcionárias e amigos da Faculdade para irmos à sede da Associação Brasileira de Imprensa, cujo terreno do imóvel foi doado no Rio de Janeiro, assistir ao lançamento de uns Tucanos... “Bandinha” de música animada e não eram a rural UDN, muito menos ala moça do urbano PSD, nem um grupo de progressistas do ontem com avançadas e constituintes idéias. Lá na frente um professor, sem gravata e manga de camisa dobrada, azul, bem eloqüente! Ao seu lado, um engenheiro de Santos e o velho Montoro, que ensinou Direito do Trabalho a uma prima na Mackenzie, entre tantos mandatos e alunos ensinados; ficamos ali ouvindo-o se esgoelar e suando pela falta de ar condicionado e quando terminou o discurso, até me emocionei com as palavras (nessa época era mais sensível). Virei-me para a Magaldi, uma secretária concursada em duas Universidades que foi posteriormente obrigada a exonerar-se de uma matrícula mal paga e não era médica ou professora... Mentalidade atrasada de nossas elites em exigir 48 horas semanais, quando países sociais democratas já avançam para menos de 40 horas. “E aí, está gostando?” A hilária resposta ficou gravada na memória e escrevo: “gostando? Estou adorando: esse homem é um gato! Preciso namorar um coroa desses!” Deu sua peculiar e sonora gargalhada. Sinceramente, esperava respostas diferentes de uma bem humorada viúva, mas a partir daquele instante começou a ensinar-me a lógica do voto feminino. Era bem mais politizada que eu! Qualquer dia telefono para ela e pergunto se ainda vota naquele acabado ou no feio Zé Inácio.J
               Quase detestávamos os barbudos: vestiam-se mal, pobres em idéias e sempre contra tudo nas reuniões do CALC.1 Pior, a nível nacional achavam-se banhados no Rio Jordão como se não fossem humanos. Se pelo menos tivessem humanos na Política... Mudaram um pouco. Mudei também vítima da burocracia: “por que tenho que ter a ficha abonada? Só quero me filiar”; “Porque sim, procure um parlamentar”. Como é bom filiar-se a um Partido sem conhecer ninguém! Um mundo a descobrir, inclusive que nem precisava mandato para abonar coisa alguma ou tumultuar, comecei enganado. Maria Helena me socorreu perto da Vera Lúcia de Oliveira, antiga funcionária da faculdade, próximos estavam Valter José Oliveira (fiscal prodígio aos 21 anos) e o Eduardo Gusmão (atualmente Juiz de Direito no TJ), e ela falou: “filha, não pode ser você mesma? Tem algum vereador de interior aí? Só serve se for do interior!” E voltou a gargalhar. Sim, ríamos bastante quando reunidos nas eleições, ali então ao som da marcha: “cidade maravilhosa cheia de encantos mil...” Não tinha. Um partido que nascia sem vereadores. Boa idéia - extinguir todos os cargos de vereador no Brasil e remunerações! Seriam substituídos por Conselhos Comunitários da Sociedade Civil, voluntários, e o dinheiro economizado iria para a FOME ZERO! Com única jogada, em vez de fecharmos Bingos, faríamos strike no desemprego secular de muitas famílias do interior, copiado da Constituição Americana em 1891. Enxugaríamos gaiolas de ouro inúteis e melhor fiscalizaríamos Assembléias que gastam milhões com redes de televisão fechadas, não assistidas pela maioria dos brasileiros. Ok, mas tentem abrir os sinais de satélite e continuem melhorando: aprovem mais cargos DAS... (ontem sintonizei a TV Senado). Volto. Estávamos ao lado deles, porém faltaria sentido pedir a FHC que abonasse uma ficha. Tentava ser coerente e ao mesmo tempo cumprir as regras impostas por ninguém. Eram três deputados na bancada fluminense (estaduais, raras exceções, nem sabemos os nomes): um escritor meio desligado, um empresário deslumbrado e uma mulher advogada, esta última mais progressista, Anna Maria acabou abonando a ficha: “é de jovens, idéias novas que este País precisa”. Pergunto: existem idéias novas? É fácil ser jovem convivendo com velhos? Se pelo menos os estudantes invadissem os partidos e tomassem os diretórios! Ficariam velhos também? E se elegêssemos apenas uma vez ou no máximo duas? O que fariam depois? Política é profissão e as lutas sociais não se encerram em contados anos. Que as lutas sigam? Que plantem batatas no campo! Pelo menos não viveriam sempre tentando reeleições e reeleições até ocuparem cargos ofertados em presente quando perdem os pleitos. Triste e real constatação. Ao contrário, argumentam serem assuntos complexos para novatos. O próprio Povo faz a seleção democrática: culpa nossa mesmo, independente de governantes, em vez de apenas reclamarmos, deveríamos reaprender a dizer obrigado! Obrigado por sermos cidadãos livres e podermos fazer algo melhor, porque uma única agremiação no Congresso não faz verão nem dieta...
                   “Guto, o que você faz aqui? Há um ano freqüenta este escritório e ainda não falou com o Paulo Alberto2. Assim me parou Luzia Souza, uma assessora que largou o emprego na Câmara dos Deputados para ir viver em Portugal com o noivo (hoje têm dois filinhos portugueses-brasileiros em Viana do Castelo). Na verdade, ia à Rua Álvaro Alvim por ser provisório ninho, nem lembrava... Já em 93, cassado o Collor Feião, aproximava-se à chance presumida de vitória e em todos os estados organizava-se a máquina novamente contando-se “soldadinhos”. Agora um imenso sobrado no coração do Largo de São José era a sede partidária e no andar térreo funcionava o Timpanas, restaurante antigo no Centro do Rio: ali sentados ficamos os três conversando assuntos aleatórios regados à cerveja Bohêmia: “então vocês indicaram o representante da Juventude?”, Consertei dizendo que também era indicação pessoal do SerginhoCabral, além do Pedro Câmara e como sempre muito boas idéias. Não gostou do elogio, mesmo sabendo que se houvessem grupos, seríamos do seu, esfacelado e disperso. Lalu era nome certo em todas as chapas, entretanto, sofria resistências no setor financeiro, ótimo!  Marcellista era o garçom e serviu rápido uma porção de fritas portuguesas fumegantes em fartura, aproveitei para cobrar: “e ai, vai me bancar no Diretório?” A resposta foi assim: “nossa, que batatas sequinhas! Prove só...” Comemos frituras e continuamos sem beber sucos, seguindo melancólicos: Artur “por que essa preocupação em continuar? Pouco se resolve nos partidos, vão namorar”. Não insisti uma segunda vez, mastigando lentamente as batatas... Alguém se aproximou da mesa (como são boas essas pessoas que nos acompanham pelo tempo e aparecem de repente em qualquer lugar!) e falou sorrindo: “Tu sempre nas bocas, né? Só te vejo em reuniões” Heleni Rosa estudava Filosofia no INFCS e até então, nunca conseguira passar em um concurso público, mesmo em dificuldades, não desistia de tentar. Sentia orgulho dela e foi muito importante sua aproximação naquela tarde (atualmente é funcionária concursada). Concluiu algo assim bem seca: “Guto, ouça uma coisa: tudo que conseguir dos políticos ainda pagará em dobro às pessoas comuns...” E se despediu. Que bom! Ela não era o tipo que falava para agradar e senti que irritou bastante a observação na frente de um.
                Obrigado Vera, Magaldi, Heleni! Amizades sinceras que perduram, obrigado amigos pelas palavras perdidas e dicas abandonadas, pelos seus livros de música brasileira e biblioteca tantas vezes visitada! Conhecía-os e nenhum cargo ganhei, também nunca pedi, mas posso pagar em triplo ou quádruplo! Idéia inspiradora guardada, depois de ajudar uma campanha vitoriosa em 94, seria logo me afastar e viajar com a fofinha Lalu. J
                                                                        
                                        Dr.Guto, Rio, 29 de abril de 2004.
1 Centro Acadêmico Luiz Carpenter.
2 Senador Artur da Távola.

                                                                                    



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